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Dificuldade masculina com relacionamentos e o medo do feminino

É frequente, na clínica, relatos de mulheres sobre o medo masculino de compromisso. Há pouco tempo, vi uma postagem em um grupo de mulheres do facebook que comentava sobre como os homens parecem fugir, como o diabo foge da cruz, da criação e aprofundamento de vínculos. A moça falava na postagem sobre como, tantas vezes, o encontro é tão bom, mas no dia seguinte, é o assunto que não rende, a frieza nas respostas, parecendo que aquele momento bom nem aconteceu. A postagem teve quase 300 comentários. Várias mulheres compartilhando suas experiências, a grande maioria delas deixando claro que não estavam necessariamente buscando compromisso sério, apenas não entendiam porque as coisas tinham que ser tão superficiais. Muitas, questionando se vale a pena mesmo o sexo casual, se, no dia seguinte, elas são tratadas com indiferença. Recentemente, ouvi de uma colega de profissão que trabalha com homens que eles se queixam de que toda mulher quer namorar. Quando penso nisso, me vem à cabeça as feministas ironizando que nossa meta de vida deveria ser ter a autoestima de um homem heterossexual. Realmente... É muita autoestima achar que toda mulher que não é tão superficial a ponto de só querer um sexozinho casual ou que está interessada em conhecer você melhor, vai necessariamente te querer como namorado! O que faz os homens se sentirem assim? Sabemos que existe a hierarquia de gênero, que garante a eles um lugar de imenso privilégio social. Mas gostaria de aprofundar um pouco mais essa conversa. Vamos discutir algumas coisinhas de Psicologia e depois voltamos ao ponto.

Todo ser humano iniciou sua vida na condição de um pequeno grãozinho dentro do corpo de uma mulher. Todos saímos do corpo de uma mulher e demoramos um bom tempo até termos condições de entender que nos tornamos um ser separado dela. Você não nasceu pensando “olha, saí da minha mãe, agora sou um indivíduo único em mim mesmo”. A fantasia de ser uma unidade com a sua mãe permaneceu por um bom tempo, e ela tinha simplesmente o total e completo controle do seu prazer e desprazer. Ou seja: a primeira experiência de existência de todo ser humano é a experiência de estar completamente vulnerável a uma mulher. Claro, um bebê é vulnerável a qualquer adulto, independente desse adulto ser homem ou mulher. Mas nada se compara à força do vínculo de ter permanecido 9 meses dentro de um corpo e ser amamentado por esse mesmo corpo, sem ter a menor condição de compreender que esse corpo não é você, não é uma extensão dos seus desejos, que simplesmente aparece quando você grita por algum desconforto. Nada se compara ao vínculo mãe-bebê nesse primeiro momento de vida (aos relativizadores: nem venham tentar discutir isso, por favor).

Para constituir a nossa identidade como indivíduos, precisamos nos “desembolar” da mãe. Isso é válido para homens e mulheres. Porém, para desenvolver a identidade masculina, os homens precisam negar e rejeitar esse vínculo ameaçador, o que significa rejeitar o feminino. Nesse ponto, a Psicologia fornece um bom argumento para explicar o machismo e a misoginia. Os homens passam a rejeitar o feminino porque se sentem completamente ameaçados, pois a experiência de vulnerabilidade a uma mulher que marcou sua chegada ao mundo está registrada em seu inconsciente. Para as mulheres, esse processo é um pouco diferente. Embora muitas mulheres também sintam a necessidade de rejeitar esse feminino (o que também explicaria o machismo introjetado por elas), em geral, para elas, o processo é mais tranquilo. Podemos constituir nossa identidade sem, necessariamente, negar o feminino representado pelo que há da nossa mãe em nós mesmas. O desdobramento disso é que, em geral, mulheres lidam muito melhor com criação e aprofundamento de vínculos, tanto com outras mulheres quanto com homens.

Isso se torna um problema quando a individuação da mulher não foi um processo bem trabalhado, porque, nesse caso, permanece a fantasia de fusão com o outro, o desejo inconsciente de voltar a formar uma unidade com outro ser. Por isso, é muito importante para a saúde mental e emocional das mulheres que esse processo seja bem elaborado, ou elas se tornam pessoas controladoras demais, porque têm pouca clareza dos limites que separam sua existência da do outro (isso envolve parceiros amorosos, familiares e amigos). Resumindo:

- homens com problemas de individuação tornam-se pessoas ameaçadas pelo feminino, morrem de medo de criar e aprofundar vínculos com mulheres porque estão reféns do medo inconsciente do estado de total vulnerabilidade a uma mulher, que está registrado em sua psique.

- mulheres com problemas de individuação tornam-se pessoas ameaçadas pela solidão, têm pouca noção dos limites que as separam do outro e buscam inconscientemente um estado de fusão com o outro (sendo que esse outro representa todas as pessoas com quem ela se relaciona mais intimimamente, aqui pouco importa se são homens ou mulheres).

Pensando nisso, uma cultura patriarcal, criada por homens, teria como não ser misógina?

Partindo do pressuposto de que homens são seres ameaçados pelo feminino e considerando, claro, que o nível dessa ameaça varia muito entre eles (sendo que quanto mais bem trabalhado o processo de individuação, menor a ameaça e, portanto, menor a rejeição ao feminino), podemos pensar que uma cultura construída por eles, realmente, só poderia resultar na guerra ao feminino que vivemos por séculos e que ainda hoje está representada nas assustadoras estatísticas de violência masculina.

Acredito que podemos concluir que é bem sintomático o fato de homens dizerem que “toda mulher quer namorar”. Certamente, não estão falando das mulheres, mas de si mesmos, do fantasma de ser “engolido” por uma mulher que assombra suas próprias psiques.

Tenho percebido um movimento das mulheres, embora ainda tímido, de não se submeterem mais à lógica da superficialidade usada pelos homens como uma estratégia de defesa. Em nome de uma ilusão de liberdade sexual, temos visto, nos últimos anos, mulheres se adequando a isso e impondo a si mesmas relações frívolas e que não acrescentam em absolutamente nada para elas. Ressalto que não pretendo fortalecer argumentos moralistas e que mulheres podem, sim, vez ou outra, querer algo mais superficial. Porém, acredito que há um incômodo feminino que tem ficado cada vez mais latente e que deixa claro que frivolidade, leviandade e futilidade nos relacionamentos são coisas que não satisfazem as necessidades das mulheres. O feminino não tem medo do que é profundo, pois ele é a própria profundidade, consciente de si e do quanto é humana a busca pela verdadeira conexão com outros seres.

O que fica claro, então, é a importância de homens e mulheres buscarem cuidar de sua saúde mental e emocional e trabalharem o processo de individuação. Para os homens, isso significa curar o medo do feminino que os ameaça e os faz fantasiar que as mulheres vão os engolir só porque elas nem sempre se contentam com algo frívolo e superficial. Para as mulheres, isso significa se emancipar emocionalmente e aprender a direcionar para si mesmas toda a energia de amor e cuidado que elas canalizam para os outros.

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