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O que significa quando dizemos que uma mulher tem "crenças limitantes" sobre os homens?

Uma pesquisa rápida no Google e você facilmente irá encontrar um bom número de textos sobre crenças limitantes em relação a homens e como isso pode prejudicar a vida amorosa de uma mulher. Crenças como “homem não presta”, “homens não são fiéis”, podem boicotar a felicidade amorosa das mulheres e devem ser descontruídas – dizem. Como ouvi uma vez de uma terapeuta, “é necessário desassociar o masculino de tudo o que é negativo”.

Enfim, há profissionais – terapeutas e psicólogos – dizendo por aí que a infelicidade que boa parte das mulheres têm vivenciado na vida afetiva é devido, ao menos em grande parte, a crenças supostamente equivocadas em relação à figura masculina.

Segundo esse pensamento, essas crenças viriam de ideias construídas e alimentadas socialmente, e seriam usadas como um mecanismo de defesa por mulheres que, por medo de se (re)traumatizarem, estariam, equivocadamente, generalizando os homens.

Podemos pensar que é bastante complicado falarmos em “crenças limitantes sobre os homens”, em uma cultura na qual a masculinidade ganha o significado vigente em nossa sociedade.

Hoje, dia 13 de agosto de 2018, saiu a notícia de que o concurso público da polícia militar do estado do Paraná colocou, entre seus critérios de exigência, o item “masculinidade”. A descrição de masculinidade presente no edital do concurso é: “Capacidade de o indivíduo em não se impressionar com cenas violentas, suportar vulgaridades, não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor”. Pode parecer absurdo a muitas pessoas que um concurso público tenha em seu edital um item como este, mas a questão aqui é que isso sinaliza qual o significado de masculinidade em nossa cultura.

Em 2015, aconteceu em São Paulo um seminário internacional que discutiu a cultura de violência contra as mulheres, onde afirmou-se que meninos são criados para agir de forma predatória. Especialistas no tema da violência masculina contra mulheres insistem que a constante objetificação da mulher pela mídia, pela pornografia e pelo mundo da música pop, contribuem fortemente para todas as formas de violência a que mulheres estão submetidas, porque transmitem aos meninos e homens a mensagem de que os corpos femininos estão à disposição deles. Trata-se de uma coisificação da figura feminina que é mais forte do que supomos no imaginário masculino e as estatísticas de violência não deixam dúvidas sobre isso. A violência contra a mulher é tão “fácil” de ser cometida porque é mais fácil ser violento com uma coisa do que com uma pessoa. Não é à toa que a violência contra mulheres tem uma característica muito específica: a rua é perigosa para todos e todas. Mas dentro de casa é um lugar especialmente perigoso para as mulheres.

Em 2014, o jornal El País publicou uma matéria com dados alarmantes sobre a violência masculina, chamando a atenção para o viés de gênero que muitas vezes é desconsiderado quando se discute a violência humana e afirmando que o macho é uma arma de destruição em massa. Outra matéria, publicada pela BBC em 2016, analisa minuciosamente por que os homens são responsáveis por 95% dos homicídios no mundo.

Eu ficaria imensamente feliz em dizer, como muitas pessoas preferem acreditar, que estamos falando de uma realidade distante. Gostaria imensamente de poder afirmar que esses homens que violentam mulheres são “pontos fora da curva”, casos isolados, monstros repugnantes que não representam a realidade do que os homens são.

O meu otimismo, minha crença na humanidade, assim como minha zona de conforto, que se nega a ter que lidar com uma realidade tão cruel, me puxa fortemente para a ideia de que essa é uma realidade distante de mim e das mulheres que conheço.

Mas infelizmente, doloridamente, isso não é verdade.

A dura verdade é que todas as mulheres que estão lendo este texto já foram vítimas de alguma forma de violência masculina ao longo de sua vida, e que cerca de 70% delas já passaram por algum tipo mais severo de violência (abuso psicológico, violência física ou sexual).

Eu acho bastante complicado que, vivendo em um mundo como este, profissionais da Psicologia ou terapeutas de quaisquer abordagens estejam preocupados em fazer um trabalho de convencer mulheres de que elas têm “problemas com homens”, de que possuem crenças limitantes e equivocadas e que podem estar generalizando os homens injustamente.

Não estou propondo aqui que incentivemos uma onda feminina de ódio aos homens, de forma alguma. Mas incentivar que as mulheres tenham um olhar ingênuo, que não leve em conta o real significado social de masculinidade que atua como o pano de fundo onde os homens que nos cercam são formados, irá nos ajudar em alguma coisa?

Qualquer terapeuta que trabalha com mulheres sabe bem o quanto é uma frequente as histórias de violência e abuso por parte de homens. Não importa se são desconhecidos nas ruas, se são pais, irmãos, FILHOS, parceiros ou ex-parceiros amorosos, outros membros da família, chefes, etc. Toda mulher já passou por ao menos um episódio em que se sentiu completamente coagida diante da violência masculina. Eu lamento muito saber que muitos desses profissionais estão fazendo um trabalho de tentar “reconciliar” essas mulheres com a figura masculina, ao invés de focar na reconciliação delas com elas mesmas.

Percebo uma tendência muito estranha de patologizar a mulher com histórico de significativa violência masculina em sua vida, em uma manobra de raciocínio que visa concluir que “o problema” não são os homens, “o problema” é que ela é uma mulher traumatizada. Pensem por um momento para entender a redoma em que a masculinidade se encontra em nossa cultura: homens traumatizam mulheres e, ainda assim, tendemos a localizar nelas o problema a ser tratado. As pessoas gostam de encher a boca para acusar uma mulher de ter “problemas com os homens”, ignorando o óbvio: o alto número de mulheres com “problemas com os homens” diz algo sobre os homens, não sobre elas.

Como psicóloga que trabalha com mulheres, proponho uma mudança de paradigma aqui. Acredito que, como profissionais inevitavelmente formados em uma cultura machista e patriarcal, deixamos de perceber o mais importante:

Uma mulher que cresce sofrendo violência do pai, por exemplo, não precisa se reconciliar com os homens. Ela precisa se reconciliar com ela mesma. Sofrer violência sistematicamente de uma figura tão importante deixa marcas sérias e profundas na autoestima, marcas muito difíceis de serem revertidas. Uma mulher que sofre violência do pai não aprende a odiar o pai, ela aprende a odiar a si mesma, porque seu inconsciente acredita que merece toda aquela violência. É sempre mais fácil odiar a nós mesmos do que odiar nossas primeiras figuras de amor. Se não fosse assim, a violência doméstica não deixaria marcas tão profundas na autoestima de quem a sofre.

Se uma mulher se relaciona com homens e diz a você que os homens não prestam, que nunca são fiéis ou que nunca valem a pena, atente-se às entrelinhas. Ela está dizendo algo sobre ela mesma. Ela está dizendo que não consegue acreditar que vai ser feliz no amor. Talvez porque não consiga se sentir amada, talvez porque não se sinta merecedora de nada melhor do que o que assistiu em sua casa, por exemplo. A lealdade familiar nos faz acreditar, inconscientemente, que não podemos ter nada melhor do que nossos pais tiveram. Ela nos leva a boicotar inconscientemente nossa felicidade, para fugir da culpa de sermos mais felizes que nossos ancestrais. Por isso, em última instância, uma mulher que foi vítima de violência paterna e afirma que os homens não valem nada, não é uma mulher que “odeia homens e precisa se tratar”. Pelo contrário, ela está apenas sendo extremamente leal ao pai, dizendo a si mesma que nenhum homem poderá ser melhor que ele. É por isso que essa mulher irá se envolver com homens abusadores ao longo da vida. Porque, do contrário, seria obrigada a concluir que o problema não são os homens, e sim seu amado pai. Onde vocês só conseguem identificar ódio pelos homens, o que há é muita lealdade e amor.

Por lealdade e amor, as mulheres estão boicotando sua felicidade afetiva. Porque, para a maioria de nós, infelizmente, as referências de figura masculina são capengas. E isso é um fato que diz algo importante sobre o que são os homens em nossa cultura. Fechar os olhos para isso e cultivar uma imagem ingênua dos homens não vai nos ajudar.

Acredito que muitas são as mudanças necessárias na forma de enxergar e tratar todas as complexas nuances que envolvem a questão, para que seja possível avançar. O reconhecimento de todos os fatores sociais que contribuem para a perpetuação da violência masculina é um passo que ainda estamos tentando dar. Mas o elemento para o qual esse texto tenta chamar atenção é: todos nós, como sociedade, e especialmente profissionais que trabalham diretamente com a saúde emocional de mulheres, precisamos nos libertar da fixação por diagnosticar mulheres com “problemas com os homens”. O resgate da autonomia e liberdade femininas não irá passar por uma reconciliação com um masculino agressor, e sim por uma reconciliação com a única pessoa a quem precisamos verdadeiramente deixar de odiar: NÓS MESMAS.

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