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Quão tóxico pode ser o papel assumido pelas mulheres de mantenedoras dos laços familiares?



Família de propaganda de margarina. Casamento feliz, filhos bem educados, prosperidade financeira, viagens. Um sonho sonhado de forma muito desigual por homens e mulheres. Um plano de vida incutido na mente das meninas desde muito pequenas. A temática da família está presente em nossas brincadeiras mais infantis: brincar de ser mamãe, brincar de cuidar da casa, brincar de encontrar o príncipe. Aos meninos, são ensinadas outras brincadeiras, mais exploratórias, mais diversificadas, mais ousadas. Quando adolescem, aprender a brincar de inferiorizar mulheres é uma regra da masculinidade. É feio estar apaixonado, é feio demonstrar sentimentos, é feio ser vulnerável. São coisas de mulherzinha. E é feio ser mulherzinha. Bonito é ser macho.


As meninas tornam-se mulheres que passam por cima de muita coisa para "manter a família". Aprendem a aceitar as micro violências cotidianas. Não é possível ser uma menina nesta cultura machista e misógina e não crescer passando por violências. É violência passar em frente a uma banca de revista e ver uma mulher nua em uma capa. É violência ligar a tv no domingo à tarde e ver um monte de mulher de roupa curta tendo seus corpos exibidos. É violência aprender, desde tão cedo, que somos objetos decorativos do mundo, sempre expostas ao crivo masculino sobre nossa eficácia em corresponder a esta função de tornar o mundo mais agradável aos olhos deles: os homens. Nos relacionamentos com eles, as mulheres aprendem a aceitar silenciamentos, grosserias, por vezes até traições. Existe um tipo de omissão que considero talvez a mais grave: mães que se tornam omissas diante de violências do parceiro contra seus próprios filhos! Em exemplos mais extremos, temos mães como a do menino Henry. Em outras versões menos extremas, mas não menos graves, há mães que se calam diante de diversas violências dos parceiros contra seus filhos, optando pela omissão em nome de manter a família.


Que nível absurdo de negligência é este, que impede uma mulher de gritar em favor de si mesma e de seus filhos? Parece que falta alma! É como se a alma estivesse morta.


Essas mulheres, pacíficas além da conta, passam a exigir o mesmo de suas filhas e, posteriormente, de suas netas. Incentivam-nas a suportar a dor que elas mesmas suportaram a vida toda. Em nome de que? Da família! Não importa se estejamos sangrando, o que importa é que temos uma família! Não importa o olho roxo, o que importa é a mesa cheia no almoço de domingo! Não importa a perna da criança marcada de cinto, o que importa é a família unida! Cale-se, aguente! Somos fortes, a gente sempre pode se esforçar mais um pouquinho. Aos homens da família, é permitido sangrar em cima de todos, especialmente das mulheres. A dor dos homens é despejada em forma de agressividade, abuso, alcoolismo, violência. Um homem que sofre ou um homem traumatizado, frequentemente, torna-se alguém que fere os outros. Uma mulher traumatizada, mais comumente, torna-se alguém que fere a si. O falado “silêncio dos homens” é estratégia de lealdade entre eles próprios. O silêncio das mulheres é em lealdade aos homens e ao bem estar das relações.





E, assim, são filhas, irmãs, esposas que se dão as mãos em um esforço de suportar a violência masculina nas famílias, em nome de que? O que é que vale tanto esforço? Ter um lugar ao sol diante da sociedade? Ser vista como uma mulher realizada, quando, na verdade, se está definhando por dentro?


A violência intrafamiliar ocorre em segredo. Quando essa violência é sexual, principalmente. Acolhe-se a parte abusada, mas não se pode falar sobre o abuso. Os abusadores nunca podem ser confrontados. “É melhor assim”, “Deixa isso quieto”, “O que os outros vão pensar?”. Tudo parece uma competição por quem interpreta melhor o teatro da família perfeita.


E quando uma mulher decide acabar com seu casamento, ainda enfrenta o julgamento de sua mãe, avó e tias por ter mais coragem do que elas tiveram e se recusar a suportar a dor que elas suportaram. Quando uma mulher decide não mais ser silenciada, não se contentar com o pouco e gritar sua infelicidade pro mundo, ela ouve “Mas por que vai fazer isso? Ele não é alcóolatra, não te bate, é trabalhador, o que mais você quer?”.


O que mais queremos? Quando foi que tivemos a ousadia de querermos ser realmente felizes? Quando foi que passamos a acreditar que tínhamos o direito de querer mais do que um homem que trabalha e traz o pão pra casa?


Ainda que seja cruel desconsiderar o peso histórico da tarefa de manutenção dos laços familiares imposto às mulheres, ainda que devamos reconhecer os efeitos nocivos de só ser vista como alguém de valor ou completa quando casamos e temos filhos, ainda assim, faz sentido nos indignar com a permissividade irresponsável que mães e avós praticam em relação aos abusos de seus parceiros e de seus filhos homens. É cruel a exigência que se faz às filhas mulheres de que aprendam a suportar também, pois “somos mais compreensivas”. Não há nada mais extenuante que ser mãe. Imagina ter que ser mãe do mundo todo, sempre pronta a acolher e compreender aqueles que se comportam mal!


Essas mulheres amam seus filhos? Ou amam a ideia de família com a qual sonharam desde pequenas?


O quão tóxico consigo mesmas e umas com as outras isso pode ser?





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